
Manufatura e Cibersegurança: Desafios e Estratégias na Era Digital
À medida que as empresas de manufatura aceleram as suas estratégias de automação e digitalização, o setor enfrenta um crescimento significativo no número e impacto de ciberataques.
Desde ações de phishing e ransomware, até violações internas e sabotagem de equipamentos, as ameaças enfrentadas são variadas e estão em rápida evolução, explorando as vulnerabilidades nos sistemas industriais e nas cadeias de fornecimento complexas.
Com a crescente interligação global dos processos de produção, o setor da manufatura deve estar preparado para enfrentar estes desafios da cibersegurança, através da implementação de estratégias robustas e adaptadas à sua realidade. A ciber-resiliência surge assim como uma necessidade premente, não apenas para garantir a continuidade operacional e mitigar os danos financeiros causados pelos ciberataques, mas também para proteger a propriedade intelectual das empresas.
A Indústria de Manufatura Como Alvo Preferencial dos Ciberataques
Nos últimos anos, a manufatura emergiu como o setor mais visado por ciberataques a nível global. Desde 2022, este setor ultrapassou áreas tradicionalmente mais afetadas, como os setores financeiro, seguros e saúde, assumindo-se como o principal alvo dos cibercriminosos.
Segundo dados da IBM Security, os ataques à indústria de manufatura representam agora uma ameaça superior, refletindo a complexidade das suas operações e a multiplicidade de vulnerabilidades inerentes.
O cibercrime é classificado como um dos 10 principais riscos globais nos próximos 2-10 anos pelo Fórum Económico Mundial, pelo que, a médio e longo prazo, os fabricantes devem dar prioridade à cibersegurança.
A Expansão do Ecossistema da Manufatura e o Risco Cibernético
O setor da manufatura desempenha um papel essencial na economia global, abrangendo uma vasta gama de indústrias, como os bens de consumo, eletrónica, automóvel, energia, farmacêutica, alimentação e bebidas, indústria pesada, e petróleo e gás. Estas indústrias estão profundamente interligadas, com cadeias de fornecimento que se estendem por diversas geografias. Consequentemente, um ataque a uma única empresa pode ter efeitos em cascata ao longo de toda a cadeia, resultando em prejuízos significativos para o setor como um todo.
De acordo com um relatório produzido pela Security Scorecard e o Cyentia Institute, 98% das organizações mantêm relações com terceiros que já sofreram violações de segurança. Também alarmante é o facto de mais de 50% destas empresas terem relações indiretas com parceiros de quarta linha que também foram vítimas de ciberataques. Estes números demonstram a extensão do risco cibernético no setor da manufatura, onde os ataques à cadeia de fornecimento podem comprometer vastos ecossistemas produtivos.
Exemplos Recentes de Ciberataques
As indústrias da manufatura são um alvo lucrativo e acessível para ciberataques devido ao seu nível relativamente baixo de maturidade cibernética em comparação com outros setores, bem como à sua baixa tolerância a tempos de paragem de produção.
Nos últimos anos, várias grandes empresas de manufatura foram vítimas de ciberataques com consequências muito significativas:
- FACC AG (2016): A empresa austríaca de componentes aeronáuticos foi vítima de um ataque onde cibercriminosos infiltraram a rede da organização e iniciaram uma campanha que visava altos executivos e o departamento financeiro. Os atacantes conseguiram assumir a identidade do CEO da empresa, instruindo o departamento de contabilidade para efetuar um conjunto de transferências destinadas a completar uma suposta aquisição. O impacto deste incidente para a organização rondou os 42 milhões de euros.
- Renault-Nissan (2017): O ataque de ransomware “WannaCry” afetou mais de 100 países, interrompendo a produção em 5 fábricas no Reino Unido, França, Eslovénia, Roménia e Índia. Os prejuízos não foram revelados pelo fabricante, mas estimam-se na ordem de biliões de euros.
- Norsk Hydro (2019): A gigante do alumínio sofreu um ataque de ransomware “LockerGoga”, que danificou os sistemas informáticos em várias unidades, incluindo na Noruega, Qatar e Brasil. A empresa recusou pagar o resgate e contratou uma empresa especializada em cibersegurança para os ajudar a desmantelar o ataque. O incidente resultou em perdas de cerca de 68 milhões de euros.
- Applied Materials (2023): Um ataque originado numa falha de segurança de um fornecedor comprometeu esta empresa de semicondutores, causando prejuízos de 250 milhões de dólares.
- Brunswick Corporation (2023): Um ataque cibernético resultou na interrupção da produção desta fabricante de barcos, levando 9 dias para retomar todos os sistemas. Para além dos atrasos na produção, o ataque resultou num custo estimado de 85 milhões de dólares.
5 Ameaças Mais Comuns no Setor da Manufatura
As empresas de manufatura enfrentam uma série de ameaças cibernéticas que exigem uma abordagem diversificada de prevenção e mitigação. Entre as ameaças mais frequentes, destacam-se:
- Ataques de phishing: Utilizados para enganar funcionários através de mensagens ou e-mails que se fazem passar por entidades confiáveis, estes ataques visam obter acesso a credenciais sensíveis, sendo uma porta de entrada comum para ataques mais complexos, como o ransomware.
- Ransomware: A extorsão digital é uma das formas mais devastadoras de ciberataque, especialmente no setor da manufatura. Os cibercriminosos exploram a pressão das empresas para manter a produção ininterrupta, exigindo o pagamento de resgates para desbloquear sistemas críticos.
- Roubo de Propriedade Intelectual (PI): A inovação e o desenvolvimento de novos produtos são aspetos vitais para o sucesso no setor da manufatura. No entanto, a transmissão de dados confidenciais através de redes não seguras pode expor empresas a roubo de PI, colocando em risco a sua competitividade no mercado.
- Ataques à Cadeia de Fornecimento: A crescente dependência de terceiros e a complexidade das cadeias de fornecimento globais criam inúmeras vulnerabilidades, onde cibercriminosos podem infiltrar-se nas operações através de parceiros e fornecedores.
- Ataques ao IoT Industrial: O aumento da conectividade através da Internet das Coisas (IoT) trouxe ganhos substanciais em termos de eficiência e automação, no entanto, na ausência de medidas de segurança robustas, podem ser alvo de ciberataques, comprometendo a segurança, a operação de máquinas e a integridade de dados em sistemas de automação e controlo.
Causas do Crescimento dos Ciberataques no Setor da Manufatura
Vários aspetos contribuem para o facto de o setor da manufatura ser o mais visado pelos cibercriminosos:
- Conetividade aumentada: A digitalização e a crescente conetividade tornam as empresas de manufatura mais eficientes, mas também proporcionam pontos de entrada para ciberataques.
- Pouca formação em Cibersegurança: A falta de formação adequada sobre as ameaças cibernéticas pode resultar em más práticas, como o uso de passwords fracas ou a abertura de e-mails de phishing.
- Sistemas de legado: Muitas empresas utilizam tecnologia operacional antiga que pode não ter os mecanismos de segurança necessários para enfrentar as ameaças atuais.
- Ataques à cadeia de fornecimento: Com cadeias de fornecimento complexas e uma rede extensa de parceiros, as oportunidades de infiltração aumentam consideravelmente.
- Sistemas baseados em dados: O armazenamento e a transmissão de dados sensíveis são componentes essenciais das operações de manufatura, expondo as empresas ao risco de roubo de dados ou interrupções.
- Riscos nos Sistemas de Controlo Industrial (ICS): Sem medidas adequadas, os ICS podem ser facilmente explorados, comprometendo a produção e os ativos críticos.
Desenvolver a Ciber-resiliência
Para se protegerem eficazmente contra ciberataques, as empresas de manufatura devem adotar uma abordagem holística e proativa para a cibersegurança, que inclua não apenas as equipas de TI, mas toda a organização. Entre as principais medidas recomendadas estão:
- Realizar uma avaliação de maturidade cibernética: Avaliar as vulnerabilidades e capacidades internas para determinar os pontos fracos e oportunidades de melhoria.
- Estabelecer uma governança formal da cibersegurança: Criar um programa que considere tanto as Tecnologias de Informação (TI) como as Tecnologias Operacionais (OT), garantindo que ambas estejam protegidas contra ciberataques.
- Priorizar ações com base em perfis de risco: Concentrar os recursos nas áreas mais vulneráveis, alinhando as medidas de segurança às necessidades e aos riscos específicos da organização.
- Incorporar a segurança desde o início: À medida que as empresas avançam na digitalização, é fundamental que os novos sistemas e tecnologias sejam concebidos com a segurança em mente.
Iniciativas Globais para Melhorar a Cibersegurança
Na União Europeia e nos EUA, estão a ser desenvolvidas várias iniciativas com o objetivo de introduzir requisitos obrigatórios de cibersegurança para produtos de hardware e software ao longo de todo o seu ciclo de vida, com especial enfoque em setores específicos como da água, saúde, finanças e banca, transporte e alimentar. No entanto, não existe um referencial de cibersegurança que abarque todos os fabricantes nos diferentes setores e países, e suas interdependências.
Instituições como o Fórum Económico Mundial estão a mobilizar esforços para fortalecer a ciber-resiliência no setor da manufatura, visando sensibilizar os decisores e promover um compromisso coletivo para enfrentar as ameaças cibernéticas. O objetivo é estabelecer princípios orientadores e práticas recomendadas, com base em cinco pilares essenciais de resiliência cibernética:
- Desenvolver uma cultura de cibersegurança em toda a organização.
- Adotar uma abordagem baseada em risco para proteger e monitorizar os ativos críticos.
- Preparar um processo eficaz de gestão de incidentes.
- Fortalecer os sistemas de controlo industrial.
- Gerir os riscos do ecossistema.
Setores industriais específicos, caso do automóvel, estão a tomar iniciativas como desenvolver e exigir a implementação de referenciais de segurança a toda a sua cadeia de fornecedores diretos, como forma de reduzir os riscos do seu ecossistema.
Conclusão
A cibersegurança no setor da manufatura não é apenas uma questão operacional, mas uma componente essencial para a continuidade e sucesso das empresas num ambiente cada vez mais digitalizado e interconectado.
O aumento das ameaças cibernéticas, a crescente complexidade das cadeias de fornecimento globais e a digitalização de processos tornam as empresas de manufatura alvos preferenciais dos cibercriminosos. Exemplos recentes mostram o impacto devastador dos ataques, que podem levar a interrupções operacionais, roubo de propriedade intelectual e perdas financeiras significativas.
Para garantir a resiliência cibernética, as empresas de manufatura precisam de adotar uma abordagem holística, que envolva toda a organização, desde a linha de produção até à administração. A implementação de medidas de segurança robustas, a criação de uma cultura de cibersegurança e a colaboração entre setores e geografias são passos fundamentais para mitigar riscos. Além disso, à medida que a tecnologia evolui, novas ameaças continuarão a surgir, exigindo às empresas uma constante atualização das suas estratégias de cibersegurança.
Num mundo cada vez mais digital, o investimento em proteção contra ciberataques deve ser visto como uma necessidade estratégica para preservar a inovação, a competitividade e a confiança no setor da manufatura.
Fontes
Why cybersecurity risks matter – and how to raise security | World Economic Forum (weforum.org)
The Top 5 Cybersecurity Threats Facing the Manufacturing Industry in 2023 (enterprisedefence.com)
Cybersecurity for Smart Factories in the Manufacturing Industry | Deloitte US
IBM Security X-Force Threat Intelligence Index 2024
The Biggest Cyber Attacks: Manufacturing Industry | CybelAngel
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